Dez anos de Spotify no Brasil: o app que extinguiu a pirataria e virou sinônimo de música
O Spotify não inventou o streaming de áudio, mas atingiu um nível de relevância tão alto que, hoje, é sinônimo de música digital. Nesta semana, a companhia completou dez anos de existência no Brasil com números expressivos: a execução de faixas de artistas brasileiros na plataforma aumentou 656% no período, e o número de streams cresceu mais de 240 vezes. Vale destacar que o Brasil representa, em média, mais de 60% do consumo de artistas brasileiros no Spotify nos últimos dez anos.
Roberta Pate, líder de negócios do Spotify, tem uma jornada profissional intrinsecamente ligada às transformações pelas quais o mercado da música passou. Ela entrou na empresa em 2013, um pouco antes do lançamento oficial no Brasil. Mas é uma figura presente no setor há quase 20 anos, com passagens nas áreas de marketing internacional e novos negócios na Sony Music.
Em entrevista à EXAME, a executiva fez um balanço da última década e sobre as transformações que acompanhou de perto. Também refletiu sobre as lições de liderar em um dos aplicativos mais importantes dos últimos tempos. Abaixo, leia os principais trechos da conversa:
Você é uma egressa de grandes gravadoras e viu de perto um cenário que se complicava cada vez mais com os downloads e a pirataria desenfreada. O que mais se destacava no cenário pré-Spotify?
Em 2013, um ano antes da nossa entrada, a indústria no Brasil era um negócio de R$ 492 milhões. Para comparar, no ano passado, geramos R$ 2,8 bilhões. É um número muito expressivo. Dez anos atrás, o físico representava mais da metade do que era vendido em termos de música. Antes de chegarmos, 54% quase 55% era CD. Hoje, isso é apenas 0,6%. Então houve uma transição muito rápida de formato, mais rápida do que no resto do mundo. O download, no Brasil, não chegou a ser o problema que foi globalmente, então passamos rapidamente do CD para o streaming. Naquela época, a música digital, que incluía ring backtones e ringtones, representava 34%. Hoje, é 87%, e desses, 86% é streaming. São comparativos que tomam distâncias muito grandes justamente porque o mercado se transformou completamente.
Na série da Netflix “Som na Faixa”, que mostra os anos iniciais do Spotify, fica evidente o trabalho do CEO Daniel Ek para convencer as gravadoras sobre os benefícios do app. Como foi esse trabalho no Brasil?
Um dos dados que lançamos sobre o ano passado é que 70% do mercado é independente. O Brasil é continental, com muitas majors e uma forte presença independente. Distribuidoras como a Onda facilitam a entrega e promoção de músicas. O mercado brasileiro ficou tão próspero que vimos muitos novos players entrando, incluindo as majors trazendo seus braços independentes, como a Virgin da Universal. Desde o início, sabíamos que precisávamos de uma forte presença local. Trabalhamos de perto com gravadoras e distribuidoras para garantir que o catálogo nacional estivesse bem representado. Criamos uma série de playlists específicas para diferentes gêneros e contratamos especialistas para cada segmento, como gospel, sertanejo e trap. Isso ajudou a moldar uma experiência de usuário que realmente reflete a diversidade musical do Brasil.
Mas por que o Spotify é o grande vencedor dessa corrida? O que faz dele o melhor player de música digital da década?
O propósito do Spotify sempre foi claro: recuperar a indústria da música. Quando surgiu na Suécia, veio com a missão de oferecer música digital sob demanda, algo que o usuário queria sem as limitações do físico e de forma legal. Esse pilar central guiou nossas decisões, oferecendo uma plataforma com música legalizada e gerando retorno. Temos três pilares principais: ubiquidade, personalização e premium. Ubiquidade é disponibilizar o Spotify em qualquer dispositivo. Personalização é a capacidade dos nossos algoritmos de entender e se adaptar ao gosto do usuário. O premium é a transição das pessoas para o modelo de assinatura. Além disso, focamos na hiperlocalização, adaptando a plataforma à realidade cultural do Brasil. Um exemplo de ubiquidade é nossa integração com mais de 2 mil dispositivos no mundo, desde smartphones de ponta até aparelhos mais simples e smart TVs. Personalização é algo que os usuários valorizam muito. Mais de 81% citam a personalização e a capacidade de descoberta como o que mais gostam no Spotify. Eventos como a campanha Wrapped, que lançamos todo dezembro, mostram como os usuários consumiram música e criam uma conexão pessoal com a plataforma.
Quais foram os principais desafios e estratégias do Spotify com os artistas brasileiros nesses dez anos?
Nos primeiros anos, focamos em educar o mercado sobre o streaming, quebrando paradigmas de venda de CDs. Nosso foco foi fortalecer a produção nacional. Hoje, mais de 60% do consumo no Spotify Brasil é de música local. Programas como o Radar e Amplifica ajudam a alavancar novos talentos de diferentes gêneros musicais, como trap, funk, pop e forró. No início, nosso consumo era muito internacional, o que não refletia o gosto do público brasileiro. Recebemos feedback das gravadoras de que precisávamos focar mais na produção nacional. Desde então, criamos um ecossistema robusto de playlists para promover a música brasileira. Hoje, o Brasil é um dos poucos países onde o consumo de música local supera o internacional.
E o quão importante é para um artista estar em uma playlist do Spotify?
A plataforma funciona com base em personalização. Mas há uma exposição promovida por nós e faz parte do nosso programa de desenvolvimento de artistas, o Radar, que identifica talentos em crescimento e oferece apoio promocional. No ano passado, 9.500 artistas brasileiros entraram em playlists editoriais. A criação de playlists foi estruturada para refletir a diversidade cultural do Brasil, com gêneros como sertanejo, pagode, gospel e trap. A estratégia de playlists é um pilar fundamental. Desde o início, criamos playlists específicas para diferentes gêneros e estados de espírito. Por exemplo, “Esquenta Sertanejo” e “Pagodeira” são algumas das mais populares. Isso permite que os usuários descubram novos artistas e músicas que se alinham com seus gostos, enquanto os artistas ganham uma plataforma para alcançar novos públicos. Além disso, eventos como o Spotify Wrapped no final do ano, que mostra os hábitos de escuta dos usuários, têm sido um grande sucesso. As pessoas adoram ver suas estatísticas pessoais e compartilhar com amigos, o que aumenta o engajamento e a lealdade à plataforma.
Da mesma forma que recriou o mercado de música, o Spotify também tentou isso com os podcasts. Recentemente lidou com uma reformulação da estratégia com cortes em produções originais. Qual é o negócio do Spotify em podcasts agora?
O Brasil, nesse momento, é o segundo maior mercado de consumo de podcasts no mundo. Investimos inicialmente em grandes marcas para popularizar o formato, pois havia a necessidade de nos mostrarmos como uma plataforma para o consumo. Agora, diversificamos e facilitamos a criação de podcasts na plataforma. Também iniciamos um novo modelo de monetização para gerar retorno financeiro para os criadores. Nos anos iniciais, focamos em criar blockbusters como “Café da Manhã” e “Primocast” para levar o conhecimento do formato ao público. Queríamos mostrar que o podcast podia fazer parte da rotina diária, assim como a música. Hoje, vemos uma explosão de criadores independentes e formatos variados. Em 2023, realizamos o Festival de Podcasts em São Paulo, um marco para conectar criadores e público. Também lançamos um novo modelo de monetização no Brasil, permitindo que criadores gerem receita através de publicidade, mesmo sem patrocínios diretos. Esse modelo é fundamental para a sustentabilidade e crescimento do mercado de podcasts.
Como você vê as lições desses dez anos para o futuro do Spotify?