Cidade no PI cria banco local e moeda própria
Comerciante destaca preferência pelo cocal ao invés do real (Foto: Catarina Costa/G1)
Isolada dos maiores centros comerciais do Piauí, a cidade de São João do Arraial, a 253 km de Teresina, criou um banco local para contornar a falta de serviços bancários. Criado em dezembro de 2007, o “Banco dos Cocais” possibilitou o desenvolvimento econômico da região com a circulação de
uma moeda própria, o “cocal”.
Dados do Banco Central mostram que, dos aproximadamente 5,6 mil municípios brasileiros, 233 (68 deles no Piauí) não contam com dependências bancárias, ou seja, não têm nem mesmo lotéricas, caixas eletrônicos ou postos de atendimento. No caso das agências bancárias, 1.900 municípios do país não oferecem o serviço. O G1 esteve em cidades de três estados para mostrar as dificuldades dos moradores que sofrem com a ausência de serviços bancários. Além de São João do Arraial, repórteres do G1 foram a Lagoa de Velhos (RN) e Oliveira de Fátima (TO).
Emancipado em 1996 de Matias Olímpio, São João do Arraial não possuía agência bancária, o que obrigava os moradores a se deslocar até Esperantina, Região Norte do estado, a 20 km de distância. “Era difícil para se locomover, pagar uma conta e receber o pagamento. Sempre ficávamos dependendo de ir a outra cidade até mesmo para comprar roupa e alimentação, já que o comércio aqui era escasso”, diz a moradora Maria Antônia.
Quando assumiu o cargo em 2005, o ex-prefeito Francisco das Chagas Lima disse que viu a necessidade de aumentar a circulação de dinheiro na cidade. Após consultar os moradores, a prefeitura constatou que a maioria das mercadorias consumidas era comprada e produzida fora da região, já que não havia bancos no município.
“Nessa pesquisa nós percebemos também que as pessoas necessitavam de pouco capital e isso não era interessante para os grandes bancos.
Criamos primeiramente um Fundo Municipal de Apoio a Economia Solidária para arrecadar 40% da receita monetária, gerando em torno de R$ 20 mil.
Em seguida, tomei conhecimento do Banco de Palmas (CE), primeira agência comunitária do país. Levei a ideia à população de São João do Arraial e, em dezembro de 2007, inauguramos o Banco dos Cocais e a moeda local”, explicou.
O banco é de responsabilidade da sociedade civil, mas a prefeitura e entidades locais fazem parte do Conselho. Além da distribuição da moeda, a instituição funciona para pagar os servidores da região, arrecadar taxas públicas, como de água e energia, e distribuir benefícios como o Bolsa Família. “Ele hoje tem reconhecimento do Banco Central, desde que circule o dinheiro somente naquela cidade. As notas distribuídas vão de C$ 0,50 a C$ 20”, comentou Lima.
De acordo com a prefeitura, o crescimento da economia do município coincide com a entrada em circulação do Cocal. Somente nos dois primeiros anos de implantação da nova moeda no mercado, o banco comunitário movimentou R$ 3 milhões em cocais, o que representa 25% dos R$ 12 milhões que foram movimentados em todo o município.
O coordenador do Banco Comunitário dos Cocais, Mauro Rodrigues, destaca que, além do aumento na renda da cidade, a implantação da moeda ajudou na geração de trabalho e facilitou a vida dos moradores.
Segundo o atual prefeito, Adriano Ramos, atualmente 25 milhões em cocais circulam em São João do Arraial, o que equivale a mesma quantia em real.
Mesmo com instalação de uma Lotérica, de outros correspondentes bancários e surgimento de pontos comerciais que aceitam cartão de crédito, o cocal continua sendo a moeda mais utilizada na cidade, e todos os estabelecimento o aceitam.
A moeda tem o mesmo valor do real, mas com maior poder de compra graças aos descontos oferecidos em todos os estabelecimentos comerciais do município. Se um produto custa R$ 10, pagando com a moeda social, custará C$ 9. O desconto é possível porque, para cada cocal emitido, há um lastro de um real garantido pela organização financeira comunitária.
As cédulas são estampadas com ícones da cultura e economia local, além possuir um selo que dificulta a sua falsificação. De acordo com o coordenador Mauro Rodrigues, o banco tem o custo de R$ 0,15 por moeda fabricada, além de arcar com o transporte desde Fortaleza, onde está a gráfica de confiança do Instituto Palmas, gestor e certificador de bancos comunitários no Brasil, e responsável pela impressão das notas.
“Hoje, para emitir dez mil cédulas, o custo chega a ser de R$ 5 mil. É um recurso bastante caro. Se a moeda fosse fabricada pela Casa da Moeda, nós teríamos redução dos custos, o material seria de maior qualidade. Caso tivéssemos este apoio, teríamos um avanço gigantesco tanto do ponto de vista institucional como financeiro”, acrescentou Mauro.