Câmara aprova Marco Civil da Internet
Apoiadores acompanharam da galeria lei considerada Constituição da rede (Foto: Gustavo Lima/Câmara)
Após meses de intensas negociações, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (25), por votação simbólica, a criação do Marco Civil da Internet, projeto considerado uma espécie de constituição da rede mundial de computadores. Após concessões do governo em pontos antes considerados “cruciais” pelo Planalto, partidos aliados e da oposição retiraram todas as 12 propostas de alteração ao texto que haviam sido apresentadas em plenário (leia aqui a íntegra do texto final aprovado).
Até o PMDB, maior crítico ao relatório do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), cedeu e se absteve de defender quaisquer modificações na redação. A proposta, que estabelece direitos e deveres de usuários e provedores de rede, seguirá agora para análise no Senado antes de ir à sanção presidencial.
Considerado “prioridade” pelo governo, o Marco Civil da Internet impedia a deliberação de outros projetos de lei no plenário desde outubro do ano passado, já que tramitava em regime de urgência.
Neutralidade
Um dos pilares do projeto, a neutralidade de rede, sofreu algumas alterações no texto, mas foi mantido. Por esse princípio, os provedores não podem ofertar conexões diferenciadas, por exemplo, para acesso somente a emails, vídeos ou redes sociais. O principal entrave estava na regulamentação do princípio pelo Poder Executivo, principalmente em relação às exceções à norma.
O texto original previa que a neutralidade fosse regulamentada por meio de decreto presidencial.
Partidos da oposição e da base aliada, sobretudo o PMDB, temiam que assim o presidente da República fizesse alterações significativas sem ouvir o Congresso. Para obter acordo, Molon especificou que o tema seria regulamentado “para fiel execução desta lei”, sem autonomia para grande modificação por parte do presidente.
O objetivo é destacar que a regulamentação serve exclusivamente para viabilizar a aplicação da Lei do Marco Civil da Internet. Além disso, o relator incluiu ainda a obrigatoriedade de o presidente ouvir a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet (CGI) antes de formular o decreto.
De acordo com o relator do texto, as exceções servirão para garantir prioridade a “serviços de emergência” e a qualidade de algumas transmissões, como vídeos ao vivo. Assim, a transmissão de e-mails, por exemplo, pode ter menor prioridade no tráfego de dados em prol de outros serviços.
Críticos da neutralidade dizem que o princípio restringe a liberdade dos provedores para oferecer conexões diferenciadas conforme demandas específicas de clientes e que sua aplicação obrigatória pode encarecer o serviço para todos indistintamente. A proposta não impede a oferta de pacotes com velocidade diferenciada.
Armazenamento de dados
Para viabilizar a aprovação da proposta, o governo também abriu mão do armazenamento no Brasil de dados de usuários brasileiros, com a instalação de data centers no país de empresas de internet, como o Google e o Facebook.
A medida tinha o objetivo de garantir a privacidade dos internautas e de dados do próprio governo brasileiro diante das denúncias de que os Estados Unidos teriam espionado comunicações da presidente Dilma Rousseff com ministros e assessores.
No entanto, parlamentares da base aliada se opunham à proposta argumentando que a exigência iria encarecer o acesso na internet. Para obter acordo, o relator da proposta, Alessandro Molon (PT-RJ), retirou esse trecho do projeto, com o aval do Planalto, mas reforçou que empresas internacionais precisam respeitar a legislação brasileira no tocante a transmissões de rede ocorridas no país.
“Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorram em território nacional, deverá ser obrigatoriamente respeitada a legislação brasileira, os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros”, diz artigo do projeto do Marco Civil.
Retirada de conteúdo
De acordo com o projeto, provedores de conexão à web e aplicações na internet não serão responsabilizados pelo uso que os internautas fizerem da rede e por publicações feitas por terceiros.
Atualmente não há regras específicas sobre o caso e as decisões judiciais variam – alguns juízes punem sites como o Facebook e Google por páginas ofensivas criadas por usuários, enquanto outros magistrados optam por penalizar apenas o responsável pelo conteúdo.
De acordo com a nova legislação, as entidades que oferecem conteúdo e aplicações só serão responsabilizadas por danos gerados por terceiros se não acatarem ordem judicial exigindo a retirada dessas publicações. O objetivo da norma, segundo Molon, é fortalecer a liberdade de expressão na web e acabar com o que chama de “censura privada”.
O trecho era alvo de polêmica, sobretudo entre parlamentares do PMDB. Para o partido, esse artigo ajuda os provedores, mas prejudicará pessoas que eventualmente se sintam constrangidas por algum conteúdo publicado que seja evidentemente ilegal. Isto porque os provedores poderão não se sentir obrigados a retirar o conteúdo após a mera notificação do usuário, já que eles terão a garantia de que só serão responsabilizados se descumprirem ordem judicial exigindo a indisponibilidade da publicação.
Fim do marketing dirigido
Pelo texto aprovado, as empresas de acesso não poderão “espiar” o conteúdo das informações trocadas pelos usuários na rede. Há interesse em fazer isso com fins comerciais, como para publicidade, nos moldes do que Facebook e Google fazem para enviar anúncios aos seus usuários de acordo com as mensagens que trocam.
Essas normas não permitirão, por exemplo, a formação de bases de clientes para marketing dirigido, segundo Molon. Será proibido monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes, salvo em hipóteses previstas por lei.
Sigilo e privacidade
O sigilo das comunicações dos usuários da internet não pode ser violado. Provedores de acesso à internet serão obrigados a guardar os registros das horas de acesso e do fim da conexão dos usuários pelo prazo de seis meses, mas isso deve ser feito em ambiente controlado.
A responsabilidade por esse controle não deverá ser delegada a outras empresas.
Não fica autorizado o registro das páginas e do conteúdo acessado pelo internauta. A coleta, o uso e o armazenamento de dados pessoais pelas empresas só poderão ocorrer desde que especificados nos contratos e caso não sejam vedados pela legislação. O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), agradeceu pela aprovação e disse que os deputados superaram preocupações de cunho político e ideológico. Ele negou que a lei seja uma forma de o governo intervir na liberdade da internet. G1