Preso em Brasília suplente de vereador no Piauí condenado por estupro de vulnerável

O funcionário público Gasparino Lustosa Azevedo foi preso nesta terça-feira (19), em Brasília (DF), pela condenação por estupro de vulnerável. Mesmo condenado, Gasparino conseguiu disputar as eleições em 2024 e virou suplente de vereador da cidade de Sebastião Barros.

Segundo o delegado Yan Brainer, da diretoria de inteligência da Polícia Civil do Piauí, Gasparino foi preso no âmbito da Operação Lembrados, que busca pessoas foragidas da justiça do estado. Segundo o delegado, Gasparino foi localizado pelos policiais do Piauí. Eles acionaram a PC do Distrito Federal, que realizou a prisão dele.

Como já está condenado, Gasparino deve ser encaminhado para um presídio no Piauí, para cumprir a pena a que foi condenado, de 10 anos de prisão pelo crime de estupro de vulnerável.

Condenado conseguiu certidão de ‘ficha limpa’

Foto de registro de candidatura de Gasparino Azevedo, suplente de vereador do Piauí. — Foto: Reprodução

Foto de registro de candidatura de Gasparino Azevedo, suplente de vereador do Piauí. — Foto: Reprodução

Mesmo condenado em definitivo (quando não há mais como recorrer) desde 2022 por estuprar uma adolescente na zona rural de uma pequena cidade do Piauí, ele conseguiu, em agosto de 2024, uma certidão de ficha limpa no estado.

📄 Com essa certidão, expedida indevidamente pelo Tribunal de Justiça do Piauí, Azevedo concorreu a uma vaga de vereador de Sebastião Barros. Com 135 votos, não se elegeu, mas se tornou o 1º suplente do PT na câmara do município de 3.202 habitantes, a 900 km de Teresina. Se o titular do cargo desistir ou for cassado, ele pode assumir.

Se a certidão tivesse sido emitida corretamente e informasse que o servidor da prefeitura foi condenado a 10 anos de prisão por estupro de vulnerável, ele poderia ter sido barrado pela Justiça Eleitoral por causa da Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em definitivo por determinados crimes de disputar as eleições.

➡️ O crime ocorreu em 2015, com a primeira condenação em 2019 e a condenação definitiva em 2022. No entanto, Gasparino Azevedo não foi preso desde então e, em 4 de outubro de 2024, dois dias antes do primeiro turno, a Justiça emitiu a ordem de prisão. Até a publicação desta reportagem, ele continuava sendo procurado pela Justiça(leia mais abaixo).

Tribunal admite ‘falha técnica’

Procurado, o Tribunal de Justiça do Piauí assumiu que “uma falha técnica no sistema” permitiu a emissão indevida da certidão negativa, e que o problema foi corrigido.

“Ao tomar conhecimento do caso, a equipe técnica da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do TJ-PI detectou uma falha técnica no sistema que levou ao desencontro de informações sobre o referido processo, o que já foi devidamente corrigido. Por fim, reafirmamos o compromisso do TJ-PI com a boa prestação jurisdicional, a transparência e o contínuo aperfeiçoamento de seus sistemas”, informou o tribunal (leia a íntegra ao final desta reportagem.).

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que apura o caso. “Havendo qualquer indício de fraudes e/ou erros apurados em face da emissão das certidões, serão tomadas as devidas providências”, disse o órgão, em nota.

A emissão de uma certidão negativa de antecedentes criminais para um condenado por estupro surpreendeu advogados criminalistas ouvidos pelo g1.

“Em tese é para aparecer tudo [na certidão], mas pode ser erro do próprio sistema do TJ que não constatou processo em segredo de justiça”, disse Gilberto Holanda, da seccional do Piauí da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PI).

“Geralmente eles puxam tudo, até caso que não tinha que aparecer, aparece. E o caso é de 2022, muito recente para não constar na ficha dele”, afirma Ingrid Ortega, advogada criminalista.

Infográfico mostra trechos de certidão negativa e de mandado de prisão contra Gasparino Azevedo, candidato que se tornou suplente de vereador no Piauí — Foto: g1

Infográfico mostra trechos de certidão negativa e de mandado de prisão contra Gasparino Azevedo, candidato que se tornou suplente de vereador no Piauí — Foto: g1

Estupro na noite de Natal

Gasparino Azevedo é agente de saúde da prefeitura de Sebastião Barros desde 2013.

O estupro aconteceu no Natal de 2015. Segundo a sentença, Gasparino Azevedo violentou uma menina, então de 17 anos, por mais de uma hora, dentro do carro dele.

Para mantê-la sob seu poder, Azevedo fez ameaças de morte e espancou a jovem, chegando a deixá-la inconsciente.

Depois do crime, ele abandonou a vítima praticamente nua e fugiu. A garota sofreu lesões, e ficou traumatizada por dias, segundo a decisão.

“Ela estava toda arranhada de arame”, contou uma das testemunhas à Justiça.

Lei da Ficha Limpa

Azevedo não poderia sequer estar filiado a um partido político, segundo especialistas ouvidos pelo g1. Isso porque, ao condená-lo por estupro, a Justiça do Piauí determinou a suspensão de seus direitos políticos.

“Isso está previsto no artigo 15 da Constituição Federal. Ter os direitos políticos suspensos é mais grave do que inelegibilidade, uma pessoa com direitos políticos suspensos ela não pode ser votada, ela não pode votar, ela não pode estar filiada a partido político”, diz Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em 27 de março de 2024, entretanto, Azevedo conseguiu se filiar ao PT. Procurado, o diretório não comentou o caso.

Além disso, a Lei da Ficha Limpa proíbe condenados definitivamente por estupro de disputar as eleições. E é aí que entra a importância da certidão de antecedentes criminais, exigida de todos os candidatos, explica Fernando Neisser, da FGV.

“[A certidão] Ela serve para duas coisas. Primeiro, para ver se o candidato objetivamente tem algum impedimento e, além disso, a certidão de antecedentes serve para trazer informação ao eleitorado. Eu posso ter processos e não estar condenado ainda, mas tem o fato de eu ter que trazer isso a público.”

Cabe ao Ministério Público Eleitoral (MPE), então, analisar essas certidões e avisar a Justiça Eleitoral, caso o candidato tenha alguma condenação que o impeça de concorrer.

Em 27 de agosto, entretanto, o MPE deu parecer favorável à candidatura de Azevedo, dizendo que ele apresentou “os documentos exigidos por lei”, e que não via “inelegibilidade que impeça a sua candidatura.”

Dois dias depois, o juiz eleitoral Noé Pacheco de Carvalho autorizou a candidatura do candidato.

O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí disse que não tinha conhecimento da condenação e nem do mandado de prisão contra o candidato.

Leia abaixo a nota do Tribunal de Justiça do Piauí sobre o caso:

Nota à imprensa

Sobre demanda do portal G1, o Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) vem informar que:

1) Situações como essa nunca haviam sido relatadas anteriormente e, diante disso, o TJ-PI instaurou comissão para estudo minucioso do ocorrido, instaurando sindicância para apuração dos fatos;

2) Assim que constatou a eventual falha, a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do TJ-PI corrigiu devidamente o sistema;

3) Estão sendo implementadas ferramentas de aperfeiçoamento dos métodos de análise referentes à emissão presencial de certidões.

Por fim, reafirmamos o compromisso do TJ-PI com a boa prestação jurisdicional, a transparência e o contínuo aperfeiçoamento de seus sistemas.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação

Leia a íntegra da nota do PT sobre o caso:

“Nota Oficial do Partido dos Trabalhadores (PT)

O Partido dos Trabalhadores informa que acompanha com seriedade e atenção o processo envolvendo o suplente de vereador do município de Sebastião Barros, Gasparino Lustosa, filiado ao Partido.

O Diretório Estadual esclarece ainda que não tinha conhecimento prévio sobre o caso mencionado. Ressaltamos que, por se tratar de um caso que corre em segredo de justiça, o Partido não teve e ainda não tem acesso aos detalhes do processo. Portanto, a falta de informações é resultado da natureza sigilosa do caso.

Em conformidade com os princípios de transparência e responsabilidade que guiam o PT, o Diretório Estadual está expedindo a orientação ao Diretório Municipal para instaurar processo na comissão de ética para análise e providências conforme o estatuto do partido visando analisar a conduta do filiado em questão.

As medidas judiciais cabíveis estão sendo tomadas, o caso segue sob segredo de justiça, e a investigação segue com seriedade e respeito ao devido processo legal.

Partido dos Trabalhadores – PT.”         G1-PI

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